sábado, 6 de novembro de 2010

Reino Igreja e Sociedade - Tres Estilos Diferentes?

Reino Igreja e Sociedade - Tres Estilos Diferentes?

Parte - 1

(Carlos Miramda)

Sou pastor de uma igreja situada no centro de Buenos Aires, Argentina. Portanto, o que se segue é uma leitura sul ocidental da realidade. Seguramente a partir de outras latitudes a visão poderá ser diferente. No entanto, como estamos em um mundo cada vez mais globalizado, com certeza, encontraremos pontos em comum.

Estou usando a palavra estilo porque é a que melhor representa nosso tempo pós moderno. Com efeito, a pós modernidade é um estilo cultural que responde a condições sócio-culturais. Se nas sociedades tradicionais a posição de uma pessoa estava determinada pelo seu papel, e nas sociedades modernas estava determinada pelo lucro, nos tempo pós modernos a posição de uma pessoa está determinada pelo estilo. Na medida que muda o estilo, devemos mudar com ele, por que senão nossa identidade ficará em dúvida . Vicente Verdú, um dos mais aguçados investigadores dos fenômenos contemporâneos, escreveu um livro chamado "O Estilo do Mundo", com uma das análises mais certeiras sobre nosso tempo, e justifica o uso da palavra estilo e não espírito por que estilo "evoca melhor a sinuosa aparência" de nossa sociedade hoje . Gostaria de usar algumas das tendências que o sociólogo espanhol marca para situar-nos na realidade de nossa sociedade atual.

I. O estilo deste mundo:

1. O estilo deste mundo é o do pensamento débil: Gianni Vattimo define a pós modernidade como uma espécie de Babel informativa, onde a comunicação e os meios adquirem um caráter central. A pós modernidade marca a superação da modernidade com seus modelos fechados das grandes verdades, de fundamentos consistentes. A pós modernidade abre o caminho, segundo Vattimo, para a tolerância, para a diversidade. É a passagem do pensamento forte, metafísico, das cosmovisões filosóficas bem definidas, das crenças verdadeiras, para o pensamento débil. A pós modernidade é um estilo de pensamento que desconfia das noções clássicas de verdade, da razão, identidade e objetividade, para a idéia de progresso universal. Contra essas normas iluministas, considera o mundo como contingente, não explicado, diverso, instável, indeterminado, um conjunto de cultura desunidas ou de interpretações. Tudo isso gera um grau de ceticismo sobre a objetividade da verdade, a história, as normas, e a coerência das identidades.

2. O estilo deste mundo é o da globalização: O mundo globalizado instalou a tendência de nosso mundo a homologação, apesar dos movimentos nacionalistas, tribais e folclóricos. O que se conhece como o McWorld . Vivemos no mundo das franquias, com a intencionalidade forte de que todos comamos o mesmo , vistamos igual , brinquemos igual , vivamos em cidades genéricas , tenhamos sistemas políticos e financeiros similares, debaixo de um mesmo componente cultural: o ocidental e especialmente o norte americano. O particular e diverso se "somam" ao pacote cultural homogêneo, com o propósito de introduzi-lo melhor. O ressurgimento do islamismo deu a impressão de se freava a ocidentalização, mas nada mudou profundamente . Pierre Bourdieu dizia que a globalização não é um efeito mecânico das leis da técnica ou da economia, mas uma criação política. Uma progressiva criação do capitalismo com o propósito de estabelecer as melhores condições para seu funcionamento e dominação. Uma dominação suave e cativante que oferece uma mesma cultura propensa ao desenvolvimento do negócio. A globalização tem cor norte americana. O domínio norte americano começou com um fascínio por suas industrias. Junto com isso, sobreveio a influência social e moral: divórcios, competição feroz, direitos civis, o feminismo, o super individualismo, o stress, a ecologia, o neoliberalismo, o voluntariado, o gay, o shopping. Alcançou o status de primeira potência econômica nos anos vintes do século passado, alcançou um glamour humano na década dos trintas, sua apoteose nos cinqüentas, arrasou o mundo financeiro durante os oitentas e se fez império mundial depois da queda do muro de Berlim, em 1989. Nunca antes na história da humanidade um só pais reuniu tanto poder. A hegemonia norte americana depois da queda do muro de Berlim é indiscutível. A arrogância militar e financeira tem deteriorado significativamente a imagem da superpotência. Isto faz com o capitalismo globalizado utilize uma nova estratégia. Não está para avassalar, mas para produzir amigos. Não busca ser temido, mas busca obter os melhores resultados por ser "encantador". Uma presença sutil, suave.

3. O estilo deste mundo é o do novo capitalismo: O capitalismo passou por três fases. A primeira é o capitalismo de produção, que foi desde os fins do século XVIII até a Segunda Guerra Mundial. Nessa etapa o principal eram as mercadorias. A segunda foi a do capitalismo de consumo, desde a Segunda Guerra até a queda do Muro de Berlim. A ênfase foi que os artigos estavam envolvidos pela mensagem da publicidade. E a terceira etapa, a atual, que Verdú chama de capitalismo de ficção, surgido no começo dos anos noventas, do século XX. E a ênfase é a importância dramática das pessoas. Os dois primeiros capitalismos se ocupavam primordialmente com os bens e o bem estar material, mas o atual capitalismo de ficção se encarrega das sensações, do bem estar emocional. Os dois primeiros abasteciam realidade de artigos e serviços, enquanto o capitalismo de ficção se propõe produzir uma nova realidade, isto é, uma segunda realidade, ou realidade de ficção, com a aparência de ser uma realidade melhorada. Desta maneira o capitalismo deixa de ser meramente uma organização econômica e se converte em civilização.

4. O estilo deste mundo é estilo do show: A guerra santa, a responsabilidade moral das empresas, o comércio justo, o marketing com causa, a "transparência" da política, a estética dos enxertos, a orgia futebolística, os reality shows, a vídeo vigilância universal, a cultura do Shopping, a cidade como parque temático, a democratização, a clonagem, são fenômenos do capitalismo de ficção, onde a realidade se convalida pela realidade do espetáculo. Segundo Baudrillard, o mundo contemporâneo se caracteriza por um processo de desmaterialização da realidade: o olhar do homem já não se dirige para a natureza, mas para as telas da televisão; a comunicação tem se convertido num fim em si mesma em um valor absoluto. Tudo é um espetáculo, e para isso é preciso converter o cidadão em um espectador, e vender as entradas a todo um planeta homogeneizado. "Os espaços onde compramos, onde viajamos, onde vivemos, vão num caminho de conversão num teatro onde somos atores e espectadores, clientes e artistas". Ou como disse o famoso consultor internacional Tom Peters: "Todo o mundo já está no negócio do espetáculo". As técnicas do espetáculo estão incorporadas a religião, a educação ou a guerra e nenhuma atividade fica fora do show business, por que os cidadãos aspiram a não entediar-se nunca, escapando ao peso e gravidade da realidade. Erich Fromm sustentava a quase meio século, que o estado estava interessado em criar indivíduos deprimidos porque governar cidadãos depressivos seria sempre mais fácil aos efeitos da manipulação, e por que o individuo nesse estado não tem forças para protestar e rebelar-se. Mas hoje a estratégia é outra. O estilo atual do mundo tem comprovado que o individuo distraído, entretido, é o que menos protesta e deixa de rebelar-se. O titulo do livro de Neil Postman, "Amuzing Ourselves" (Divertir-nos até morrer) revela o objetivo deste tempo . Na metade do século XX a industria da defesa foi chave no desenvolvimento norte americano. Mas hoje o primeiro lugar é ocupado, soberbamente, pelo setor do entretenimento . Na Espanha se construiu nos últimos anos mais de 60 parques de ócio (lazer). Países em crise como Argentina em 2002, apesar da adversidade tem uma demanda crescente de entretenimento . Tudo tem que ser divertido. A luta pelos pobres não se faz mais com atos revolucionários nem com protestos das massas, mas com recitais de rock. A única coisa que tem relevância é que seja divertido. Na Grã Bretanha os gastos em lazer e diversão têm superado os gastos com comida e bebida. "Nós vendemos felicidade", é o slogan da Disney, "porque felicidade é o melhor produto do mundo". Charles Baudelaire chamava a arte "os domingos da vida", os momentos em que a experiência estética converte o tempo comum em festa. Mas hoje, na sociedade do espetáculo, que todos os dias da semana tente divertir-nos até morrer, sempre pode ser domingo.

5. O estilo deste mundo é infantil: Uma das agencias de publicidade maiores do mundo , criou um termo: AABKA, para qualificar aos novos adultos progressivamente infantilizados: "Adults Are Becoming Kids Again" (adultos voltando à infância de novo). Alguns chamam essa tendência de Vice is Nice (o vício é lindo), se referindo à inclinação infantil de procurar satisfações continuas e urgentes. Os adultos jogam cada vez mais, não somente nos esportes, mas com brinquedos. Os videogames contrariamente ao que se pensa, não é um passatempo de crianças e adolescentes exclusivamente, mas sobretudo de adultos. O Play Station, é considerada pela Sony como modo de vida para adolescentes e adultos jovens. Não se pode subestimar essa infantilização. Nossa cultura globalizada avança para uma extraordinária complacência com a figura do menino ou com a adoração da mentalidade da criança. Nunca como nos últimos anos se publicou tantos livros sobre a regr essão à infância. Os jovens resistem ser adultos. A escassez de compromisso político, a substituição da critica social pela manutenção passiva do status quo, as sérias dificuldades para assumir responsabilidades nos adultos, o abandono e negligência na educação das crianças, osprogramas de televisão mais vistos com um nível menor ao de um adolescente do nível secundário, o retorno aos heróis dos quadrinhos a vestimenta adulta com gorros (bonés), mochilas, camisetas estampadas em amplo crescimento. Não somente tenta apagar o passar dos anos da aparência física, mas da consciência. A ambigüidade da vida, que faz que os adultos tentem viver disfarçando-se de outros personagens, como faria uma criança. Talvez a apoteose como símbolo do infantilismo seja o lugar absolutamente desmedido que toma o espetáculo desportivo. As cidades não se mobilizam mais por uma greve geral, senão por uma partida de futebol. O futebol permite viver uma para-realidade infantilizada, sem ter sofrer os elementos duros da vida. A versão feminina são os programas de entrevistas (talk show) e os reality shows. Enquanto os homens se trasladam para a paranormalidade das partidas de futebol, as mulheres trocam sua realidade pela realidade das peripécias a que se expõe os personagens da televisão.

6. O estilo deste mundo é o estilo da falsificação: O conceito de verdade está em crise. No modelo pós moderno a verdade tem sido substituída pela semelhança. Isto faz que vivamos no mundo da copia, da falsificação, da ambigüidade, da duplicidade, da reciclagem. O travesti na sexualidade. O corpo com os implantes e as cirurgias plásticas, a aplicação de células mães para evitar os defeitos do corpo. A clonagem. Mais de um terço do mercado discográfico são os discos piratas, que já não são tão piratas porque suas empresas pertencem à corporação do selo original. A China não só tem copiado a roupa e os produtos ocidentais, como tem copiado a própria cultura capitalista. Hoje se falsifica em todo o mundo até medicamentos. Na Índia e em outros países se falsificam os cosméticos, isto é, se falsifica a aparência da aparência. A cosmética ocidental é mimetizada em uma cosmética da cosmética. Na Argentina há um mercado do "trucho" (falso), chamado "A Salada" do qual participam milhares e milhares de pessoas de todo o mundo semanalmente para comprar todo tipo de produtos copiados. Este não é um fenômeno exclusivo dos países em desenvolvimento, mas o mesmo acontece com os chineses da 5a Avenida, em New York ou em Piccadilly Circus, em Londres. Já não se falsificam somente o produto, mas também aquilo que poderia ser a garantia de originalidade: os códigos de barra, as embalagens, os logotipos, os certificados de garantia, os envoltórios. Com o sistema digital a reprodução de obras de arte faz com que não se consiga distinguir entre o original e a cópia. Nessa mesma linha a ânsia pelo retrô é uma forma de copiar. O revival como cópia do passado. No início do século XX havia um entusiasmo por abraçar o futuro, havia uma visão otimista e projetiva, mas o início do século XXI coincidiu com o terror e ninguém quer ir mais longe, e todos temem o futuro. É como se a história houvesse parado e se começasse a reviver os acontecimentos do passado, como o nacionalismo, o racismo, as lutas étnico-religiosas, a ameaça nuclear, os populismos latino americanos, os discursos sobre os desaparecidos nos governos pós ditatoriais, os protestos anti globalização com as imagens do Che e a música de John Lennon. Muito do que vivemos tende a ser um déjà vu, uma reedição do já vivido, já que não há esperança de um horizonte superador. O presente se faz presente mediante uma cópia do passado. A falta de compromisso com a circunstância presente é tão débil que a única âncora é o passado.

7. O estilo deste mundo é o estilo do hiperindividualismo: Luc Ferry chama o nosso tempo de a época do "ultraindividualismo", Pascal Bruckner o tem batizado como "superindividualismo" e os sociólogos norte americanos, como Lash, o denominam "narcisista". Lipovetsky qualifica este período de "segunda revolução individualista" ou passagem do individualismo limitado que inaugurou o século XVIII, para o individualismo total. Na atualidade, segundo Touraine, não se trata de buscar o sentido no mundo, mas o sentido de "minha" vida. O sistema o modelo da personalização dos artigos (customizados) para neutralizar o mal estar que padeciam os consumidores ao ser tratados em série, dentro do tosco capitalismo anterior. O capitalismo de consumo ofereceu grandes quantidades de objetos para aumentar a sensação de bem estar, mas agora, o capitalismo de ficção procura aumentar a impressão de "ser alguém". O sistema não se ocupa diretamente de nos fazer gastar muito, mas de nos fazer crer que no quanto valemos. A marca não se impõe, mas coopera em fazer o "eu"; as empresas não pressionam para que gastemos para seu proveito, mas para que invistamos, sobre tudo, em nós mesmos. Na política já não se trata de construir uma ideologia determinada e forte, mas de acomodar-se às solicitações do eleitorado. Na nova psicoterapia, altamente pragmática, se renuncia em prescrever uma mudança nas condutas do cliente, se tal correção o incomodar: o melhor é recorrer aos medicamentos. Custa, para as empresas, quatro ou cinco vezes mais captar um novo cliente do que conservar ao que tem, assim que, sobre tudo deve-se cuidar de não espantá-lo. O bombardeio de conselhos (livros de auto ajuda, anúncios publicitários, recomendações medicas, opiniões midiáticas) tudo para desenhar interminavelmente um outro eu melhor. Paradoxalmente a centralidade no eu, é acompanhada da falta de uma identidade clara. Hoje há uma aglomeração de "eus" substitutos e contraditórios. No capitalismo de ficção, não se fala de classes sociais, mas de classes de vida. A luta de classe foi sucedida pela luta para ser eu, e a luta pela revolução tem continuado no afã para que ser alguém. O escritor Walter Truett Anderson dá quatro termos que os pós modernistas usam para falar do eu ou das múltiplas identidades. O primeiro é multifrenia. Isso se refere às muitas vozes diferentes em nossa cultura que nos dizem quem somos e o que somos. O pós modernismo diz que não há uma personalidade íntegra, mas multiplicidade de personalidades. Em definitivo, não podemos saber muito bem quem somos. O segundo termo é proteano (vem do deus Proteo, um deus marinho conhecido por sua capacidade de metamorfose). O eu proteano é capaz de mudar constantemente para adequar-se às circunstancias atuais. "Pode incluir mudar de opiniões políticas e de comportamento sexual, mudar de idéias e da forma de expressá-las, mudar formas de organizar a própria vida". Em terceiro lugar, Anderson fala do eu descentralizado e significa que não existe nenhum eu. O eu está sendo redefinido constantemente, e sofrendo mudanças. O quarto termo é o eu-em-relação. Significa que não vivemos nossas vidas como ilhas enquanto a nós mesmos, mas em relação a pessoas e a certos contextos culturais. Para entender a nós mesmos, necessitamos entender os contextos de nossas vidas. Se juntarmos esses quatro termos, temos a imagem de uma pessoa que não tem nenhum centro, mas que está sendo jogada em muitas direções diferentes, e está constantemente mudando e sendo definida externamente pelas diferentes relações que tem com os outros. Antes de acreditava que a nossa meta devia ser alcançar a integridade. O pós modernismo diz: impossível. O desenvolvimento da assistência psiquiátrica, a proliferação de antidepressivos, o enorme consumo de sedativos e pílulas da felicidade é correspondente com essa patologia que o hiperindividualismo tem espalhado por nossa sociedade. O indivíduo atemorizado por desaparecer no "coletivo" e desesperado pela falta de comunidade. Lutando para evitar ser homogêneo e sofrendo, paralelamente, ao peso do culto ao eu. Nesse hiperindividualismo, o cliente é que determina tudo no mundo de hoje.

Os executivos das produtoras de televisão, das editoras, das industria cinematográfica, assistem a cursos sobre estrutura narrativa, com o propósito único de satisfazer o gosto do público, e então, a partir do que aprendem, fazem as correções às obras que os roteiristas, escritores e compositores lhes entregam. Hoje as produções, não são de um autor, mas de equipes de trabalho que se propõe criar um produto que satisfaça ao gosto do povo. Os artistas de antes tentavam explorar novos mundos e provocavam estupefação ao comunicar ao público suas descobertas, porque iam além daquilo que era compreendido pela gente, viam o que os outros não viam, eram profetas, e por fim alardeavam não serem compreendidos. Mas os artistas de hoje, não pretendem trazer revelação do novo, pois sua tarefa é reelaborar o conhecido e aceito, e o grande esforço é comunicar o que fez. Ser hoje um incompreendido não aumenta os ganhos dos autores, ao contrario isso termina com eles. Os artistas concentram seus sonhos em difundir-se massivamente, a ponto que quando faz algo que "pega", se verá obrigado a repetir-se sem cessar. O artista procura ser aplaudido e não ser incompreendido, pretende ser um sucesso na mídia, incorporar-se a esse mundo de mídia. Os artistas não querem ser profetas nem passar para a história, o que querem é entrar no mundo.

8. O estilo deste mundo substitui a ética pela cosm-ética: O capitalismo de ficção quer mostrar uma imagem bondosa. Hoje se entregam etiquetas de boa conduta para as empresas que colaboram com o ambiente, não (super)exploram aos empregados e não manipulam a contabilidade. As universidades dão aulas de ética nos negócios. Na prática a maior parte das empresas não se comporta muito diferente das de trinta anos atrás, mas se submetem a um diagnóstico, para aparecer como limpas. O mais importante não é cumprir as obrigações com as autoridades, constantemente subornadas, nem diante dos sindicatos, mas diante da opinião pública, com uma imagem de militância moral por meio do marketing com causa. No plano individual a relatividade ética tem se convertido em anomia (ausência de normas). Diante da sexualidade a pós modernidade tem subido os decibéis a mui altas cotas de promoção e consumo, doses fortes de erotismo e de vulgarização genital. Há toda uma apologia do hedonismo focalizado na sexualidade, tudo muito bem estudado, programado e oferecido com persistente vigor. O sexo tem se convertido em consumo de massas mediante a web-pornografia , a telefonia erótica, os classificados de encontros, os vídeos, as telenovelas; o consumo de sexo, não somente tem se intensificado, como tem ganho em precocidade. Podemos dizer que a pós modernidade vive a "toda sexualidade", a toda "ressurreição da carne". Com um efeito paradoxal: a exposição da intimidade na totalidade anula a intimidade e faz desaparecer o objeto. Porque uma vez que se explora exaustivamente todo o campo, uma vez que a pupila tenha chegado ao cúmulo do mais explícito, a visão se vela. A total visão do visível anula a excitação e o resultado é uma fartura onde agoniza o desejo pelo objeto. Paralelamente há uma crise da heterossexualidade. A homossexualidade não só é aceita, mas está perdendo significação, precisamente pelo êxito alcançado em permear a cultura, e então já não é mais chamativo. Dois sexos são poucos sexos, inclusive, três é uma quantidade exígua. O atual, de acordo com as últimas tendências, é ser queer (extravagante). Para esses não existe uma identidade sexual determinada, mas mil gradações do sexo.

Parte - 2

(Carlos Miramda)


II. O estilo da igreja contemporânea:


A igreja vive em uma tensão permanente entre estar no mundo e ser do mundo. É a tensão cultural. E lamentavelmente ao longo dos séculos o povo de Deus, desde Abraão até hoje, está nessa luta e muitas vezes cai no que chamo de cativeiro cultural da igreja.
Se esta apresentação tivesse sido feita por um sociólogo e não por um pastor, seguramente não haveria separado este ponto do anterior, mas, assim como ilustramos cada uma das características do estilo de nosso mundo com comentários sobre arte, moda, política, economia, comércio, da mesma maneira, se poderia incluir o elemento igreja, já que lamentavelmente o estilo contemporâneo não apresenta uma contracultura, mas manifesta uma adaptação cultural invejável para qualquer antropólogo cultural. É claro que existem aspectos positivos na igreja contemporânea. Mas nesse segundo ponto vou marcar os negativos, ou ao menos os riscos que a igreja corre hoje por estar debaixo do cativeiro cultural.

1. O estilo da igreja contemporânea é o da teologia débil: O capitalismo com sua nova cosmética suave, se manifesta na igreja, que hoje em dia privilegia a aparência, de estilo suave. Hoje vivemos no tempo da igreja arty (artística), friendly (amigável), slow (devagar). Um Evangelho sem Reino, e sem Rei. Um evangelho sem demandas, sem compromissos. O protestantismo (igrejas protestantes e evangélicas) de hoje, tem duas vertentes ou manifestações, no que diz respeito a essa suavidade, essa brandura. Por um lado, uma parte do povo de Deus, herdeiro do movimento pentecostal-carismático, mantém, por causa disso, a busca da experiência, mas tem perdido a solidez bíblica, privilegia o alcance das pessoas em prol do crescimento numérico, mas despreza o discipulado e o crescimento em qualidade. Oferece espiritualidade somente do coração, mas não da cabeça. É mais terapêutica (conforto emocional) que teológica (espiritualidade que afeta a integralmente vida). Não há didaché, e portanto a gente não sabe o que é bom ou mal. Emociona-se, se entretêm mas não se transforma. O produto que sai é um cristão ligth, com uma vida superficial, fraca e um compromisso débil, sem poder de transformação para a própria vida e muito menos para a sociedade. Por outro lado estão os que, mais ligados a modernidade, assumem a pós modernidade como desdobramento daquela, e falam de uma teologia débil, em termos de esvaziamento do sobrenatural, sem intervenção divina na história, sem o milagroso e poderoso . Ambas vertentes tem algo em comum, que é um evangelho sem reino.

2. O estilo da igreja contemporânea é do evangelho mcdonalizado: O McWorld está colonizando a igreja com seus valores: individualismo, marcado por um evangelho de auto ajuda com sua experiência espiritual intimista, egocêntrica; consumismo, alimentado por uma religiosidade de consumo que busca a auto-satisfação; materialismos com a versão do evangelho da prosperidade e a sedução do dinheiro e do poder do que são vitimas tantos pastores e líderes. As cadeias de televisão cristãs que retransmitem seus programas em dezenas de países do mundo, são um veículo privilegiado para a transmissão do evangelho cultural norte americano, e que produzem em todo o mundo uma igreja que reflete os valores da cultura pós moderna imperante do que os valores do Reino, e semeia nos corações dos crentes do mundo não desenvolvido aspirações que é relacionado mais com o American Dream e o critério de progresso norte ocidental, que com o shalom de Deus. Como alguém falou: a semente do evangelho foi plantada na Palestina, dali viajou para a Europa, dali para os Estados Unidos e dali, junto com a semente, veio o vaso completo. Na America Latina recebemos as piores versões desse evangelho macdonalizado de sabor norte americano, através da mediação de certos ministérios centro e sul americanos, os quais, aos valores do McWorld, agregam sua cota de autoritarismo, ostentação, manipulação, típicos de nossa cultura hispanoamericana.

3. O estilo da igreja contemporânea é o do novo protestantismo de ficção: Eu encontro um paralelismo entre o desenvolvimento do capitalismo em suas três fases, capitalismo de produção, de consumo e de ficção, com o desenvolvimento do protestantismo desde a revolução industrial até o dia de hoje. O capitalismo de produção tem como seu correlato um protestantismo pietista, com sua ênfase na razão, no esforço, na renúncia, na ética pessoal. Esse protestantismo enfatizou a doutrina, o dogma, produziu as denominações, os seminários, as missões modernas. Depois, a partir do século XX, lhe seguiu um protestantismo pentecostal-carismático, correlato do capitalismo de consumo, e que foi privilegiando a experiência no lugar da razão, que promoveu uma busca do bem estar espiritual, físico e material, em lugar do sacrifício, do esforço e da renúncia. O eixo da missão passa para as campanhas massivas. As denominações entram em crise e crescem as chamadas igrejas independentes. E hoje o correlato do capitalismo de ficção é o protestantismo de ficção, compartilhando metodologias e valores: o eixo da missão passa pelos meios de comunicação, promove-se o bem estar emocional, reforça-se o euismo, a brandura ética e de pensamento, a afirmação pessoal e o crescimento numérico eclesial. Sabendo que toda generalização é injusta, o quadro a seguir pode nos ajudar:

Protestantismo pietista

Protestantismo Pentecostal-carismático

Protestantismo de ficção

Ênfase

Razão, ética individual.

Experiência espiritual

Bem estar emocional individual

Características

Entrega, abnegação, sacrifício, renúncia.

Devoção, pregação, dons, manifestação de poder espiritual

Sentir-se bem, progredir, conquistar, busca de poder político e material

Poder

Do esforço e da autodisciplina

Sobrenatural por meio do Espírito Santo

Político, numérico e material

Ministério

Pastor visitador e missionário

Pastor evangelista

Pastor homem de mídia e gerente

Organização

Denominações

Igreja independente

Célula: igreja celular e igreja emergente

Eixo da missão

Plantação de igrejas

Campanhas massivas de milagres

Igrecrecimiento

TV e outros meios

Verdade

Resultante da exegese bíblica.

Dogma.

Resultante da revelação do Espírito.

Experiência.

Resultante de um pragmatismo individualista e relativista

4. O estilo da igreja contemporânea é o do espetáculo e a diversão: Nos tempos de Jesus, haviam feito de sua casa de oração, um mercado. Em nosso tempo temos feito de nossos cultos shows, e de nossos templos sets de televisão. E isso não estaria mal se não fora porque refletimos como igreja esse estilo festeiro. Somente a modo de ilustração, um dos eventos espirituais mais numerosos e impactantes da história da Argentina, não foi presidido por um pastor, mas por um imitador cômico, e não houve canções de adoração, mas números musicais de artistas de certa fama secular. Porque um imitador e não um pastor? Porque tudo que ser divertido. Porque artistas seculares e não adoradores? Porque o que se quer é dar um bom show. Em dimensões menores, sucede a mesma coisa em muitas congregações. Um bom pregador é o que faz muita graça, e ele é apresentado não como pregador, mas como “comunicador dinâmico”. Porque tudo tem que ser divertido. Em muitos países, a gente assiste mais a congressos onde os que ministram são cantores e não pastores. E não importa o que se transmite em termo de conteúdo, porque o que interessa é que the show must go on (o espetáculo precisa continuar). Em reação a isso, surgem novas formas cultuais como as das diferentes igrejas emergentes . Mas, outra vez, a reação não é produto de uma reflexão bíblico-teológica, mas motivada por uma compreensão e assimilação da pós modernidade. Assim o templo-set de televisão da mega igreja é substituído pela sepultura da oração, que se converte em outra cenografia de ficção para uma igreja que tem que seguir os mandatos da sociedade pós moderna, onde tudo é show.

5. O estilo da igreja contemporânea é o do evangelho infantil: O cristão médio de hoje em dia é resistente aos sacrifícios e a espera. É exigente do bem estar a curto prazo. A geração atual professa o que Giles Lipovetsky chama uma ética indolor . Uma vida que pede satisfações sem entregar nada importante em troca e menos ainda se for adiantado (antes de receber o que pediu). O altar não é lugar de morte, mas de recompensas. Os cristãos são vitimas dos mesmos males dos não cristãos, como compra compulsiva e a desordem, como alguns dos traços de uma cultura em que o eu infantil é entronizado. O querer-se a si mesmo acima de tudo, amar a criança que temos dentro de cada um. O passar por cima dos erros e reforçar suas conquistas e diverti-los continuamente. A super ênfase na cura interior como uma volta permanente à infância. A postergação indefinida nos jovens para assumir compromissos afetivos, como parte de sua evidente resistência a ser adultos. A escassez de compromisso pela transformação social. As sérias dificuldades nos adultos em assumir responsabilidade. O pensamento mágico que espera que Deus faça o que o crente deve fazer. O negar-se a tomar conta de sua própria vida. O turismo congregacional, que faz com que os crentes vivam trocando constantemente de igreja, segundo o show ou o serviço que lhe ofereçam, evitando, dessa forma ser discipulados. A liderança pastoral com fantasias infantis de ser “o” homem de Deus para a cidade. São algumas das características de uma igreja que reflete uma cultura infantil.

6. O estilo da igreja contemporânea é o do evangelho falsificado: A igreja não está isenta da influência do mundo da falsificação, da cópia, da franquia. Há um pseudo evangelho que não requer que as pessoas mudem, ainda que Jesus Cristo disse que temos que nos converter. Não requer compromisso, basta emocionar-se. Eu posso continuar sendo o centro de minha vida, poso continuar mandando na minha vida. Isso é muito mais barato do que o que Jesus pretende: “o que quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz a cada dia e siga-me”. Negar-me a mim mesmo, crucificar meu egocentrismo a cada dia e segui-lo? A cópia é mais econômica. E como é um evangelho sem reino, confunde-se crescimento numérico com extensão do Reino. O problema com essa visão é que em Buenos Aires, nos últimos 20 anos quase todas as congregações têm crescido, mas o estado da cidade é significativamente pior que 20 anos atrás. Isso significa que ao fazer uma análise do estado espiritual, moral, econômico, social, educativo da cidade, não vemos que o Reino de Deus tenha se estabelecido apesar do crescimento numérico.
Em prol do crescimento numérico da igreja e a partir de uma visão pragmática da realidade, copiam-se receitas do que funciona em outras latitudes. E o fenômeno próprio da globalização das franquias, se repete hoje na igreja. E afirma-se rotundamente, “A visão não se adapta, mas se adota”. Como o objetivo da globalização é a homologação pela via da homogeneização, todos tem que trabalhar para a visão do pastor, e ao cabo de alguns anos, se a visão teve êxito, o único realizado, prosperado e satisfeito é o pastor, enquanto isso há um povo empobrecido, sem desatar seu potencial, sem concretizar seu propósito. Claro que para que se cumpra a visão é necessário a super-visão. E em um contexto como o latino americano isso significa autoritarismo, controle, manipulação. Em algumas congregações há um tipo de Grande Irmão, com uma supervisão própria das seitas. Porque a visão justifica tudo. Ainda que passar por cima das visões pré existentes, isto é, as visões do Reino, como por exemplo: que sejam um para que o mundo creia. “A unidade não importa, porque não posso negociar a visão que Deus me deu.”

7. O estilo da igreja contemporânea é o do hiperindividualismo: O indivíduo é o centro, ainda que não tenha uma identidade definida. No modelo de múltiplos eus, equivale a ter múltiplas identidades cristãs, que é o mesmo que dizer a falta de identidade cristã. Os cristãos pós modernos são como um Lego. Ótimo para as alianças voláteis e o sincretismo. Na igreja de hoje também quem manda é o “cliente” . Os programas são resultado de estudo de mercado, como se o Evangelho do Reino de Deus fora um produto para ser vendido, e para ser adaptado para que possa ser aceito pela massa. Qualquer coisa que ofenda aos consumidores desse evangelho, deve ser suprimido. Algumas igrejas, para dar satisfação ao consumidor, procuram não falar de pecado, nem de santificação, nem de negação, mas enfatizam os benefícios temporais de ser cristão, pondo o consumidor no centro, no lugar de Deus. A mensagem está mais centrada em aliviar o stress que no seguir a pessoa de Cristo. O movimento “Sensíveis aos que Buscam” que envolve um grande numero de mega igrejas nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, tem ensinado que se as igrejas quiserem crescer devem se transformar em igrejas sensíveis e adequadas ao perfil e aos gostos dos que estão em busca de uma igreja. Isso tem alguns aspectos positivos, mas também significa pregar sobre o amor e não sobre o pecado; ensinar sobre o pensamento positivo e a auto ajuda; investir em conforto em instalações de entrenenimento; ser mais tolerantes com o comportamento dos membros, substituir a adoração comunitária pelo canto de artistas. Para muitos pastores a meta não é ser parte de um avivamento, mas ser famosos mediáticos. Não buscam transformar a cultura, mas serem aceitos por ela. Não se busca ser profetas, mas grandes comunicadores.

8. O estilo da igreja contemporânea é o da substituição da ética pela cosm-ética: O deus do cristão pós moderno não pode ser muito exigente. Posto que o indivíduo pós moderno obedece a lógicas múltiplas, sua postura religiosa também tem lógicas múltiplas. Como é um evangelho sem Reino, não há normas absolutas, tudo é relativo. Assim temos, só para mencionar um exemplo, milhares de pastores presos na pornografia via internet, graças ao que os americanos chamam de o Triplo A: anonimity (anonimato), Access (acesso fácil), affordability (preço baixo). A palavra pornografia, deriva de perné escravo. E porné era a forma de chamar as prostitutas e aos escravos dos quais se podia aproveitar sexualmente. O fato é que temos que ir contra um mundo governado por um espírito de imoralidade, com uma igreja liderada em boa parte por escravos desse mesmo espírito. O estilo da igreja contemporânea salmodia uma felicidade intimista e materialista e a satisfação dos desejos imediatos, com um cristianismo do posdever (não há mais que se responsabilizar por nada) que privilegia o bem estar em detrimento do bem. Uma fé apartada do dever austero, cosmetizada de “bêncão”.

Parte - 3

(Carlos Miramda)


III. O estilo do Reino:

Peço desculpa porque a apresentação aparece como sendo muito negativa quanto ao estado da igreja. Como disse, existe, claro, aspectos muito positivos na igreja de hoje. Mas me concentrei no negativo, não só por razoes de espaço, mas por causa da missão dada por Paulo a Tito: “Por esta causa te deixei em Creta, para que corrigisse o deficiente, e estabelecesse anciãos em cada cidade, assim como te mandei” e sobre tudo pelo chamado que há sobre a Igreja. Estou usando a palavra estilo, não só por que é a palavra usada pela pós modernidade, como foi explicado anteriormente, mas porque deriva da palavra grega stylo, mas por que é a palavra usada por Paulo quando escreve a Timóteo e lhe diz: “se tardo, saiba como se deve conduzir na casa do Deus Vivo, coluna (stylo) e baluarte da verdade” (1Tm 3:15). Então estou usando a palavra estilo não no sentido de moda, ou simples aparência, mas no sentido de coluna. Esse é o chamado da Igreja, ser coluna (stylo) da verdade. O problema é que se a Igreja em lugar de ser coluna (stylo) da verdade, é coluna (stylo) da cultura predominante, é impossível que o Reino se estabeleça em realidade. Por isso a igreja deve refletir o estilo do Reino e ser livre do cativeiro cultural. As Parábolas de Mateus 13 foram ditas por Jesus, para que nos fosse dado conhecer os mistérios do Reino, e o reflitamos.

1. O estilo do Reino é como a boa terra: Diante do pensamente débil e seu correlato da teologia débil, o reino de Deus é semelhante a semente da Palavra que cai em boa terra: “Mas o que foi semeado em boa terra, este é o que ouve e entende a palavra, e dá fruto; e produz a cem, a sessenta e a trinta por um” (MT 13:23). O cativeiro cultural do qual a igreja é vitima, tem feito com que a Bíblia perca sua centralidade. Mas segundo Jesus, a receptividade e a obediência à palavra, é o que determina o tipo de terreno, e o fruto correspondente. O evangelho será contracultura com poder de transformação unicamente se a Palavra tem status de Verdade. Do contrário, não só a igreja perde seu poder libertador, como termina cativa de uma cultura onde nada é verdade absoluta. “Cuidem de que ninguém os cative com a vã e enganosa filosofia que segue tradições humanas, e que vai de acordo com os princípios deste mundo e não conforme a Cristo” (Cl 2.8 NIV). Diante uma sociedade que se derruba a partir da erosão do conceito da verdade, a igreja deve recuperar seu chamado para ser coluna (stylo) da verdade.

2. O estilo do Reino é como uma semente que cresce: Perante uma sociedade infantilizada, o Reino cresce, dá fruto. Quando a igreja reflete o estilo do mundo, e deixa de ser expressão da cultura do Reino, mantém seus membros em infância espiritual. Segundo Gálatas 4, a infantilidade espiritual faz que, sendo senhor de tudo, o crente viva como escravo. Assim temos um povo de Deus chamado para ser cabeça da realidade, mas que vive como cauda, que brinca nos cultos pondo o diabo a seus pés, mas experimenta a opressão em sua vida familiar, econômica e na sociedade toda. Um povo empobrecido, que brinca às escondidas, fugindo da realidade. Porém, na cultura do Reino tudo nasce pequeno, mas tudo cresce, amadurece, atinge propósito, cumpre sua missão de transformação. Muito do terreno da igreja está junto do caminho, sem raízes, entre pedras e entre espinhos. Três manifestações de imaturidade. O problema é que enquanto a igreja permaneça na infância, seguirá em cativeiro cultural: “Assim também nós, quando éramos meninos, estávamos em escravidão debaixo dos rudimentos do mundo” (Gl 4:3). É preciso guiar o povo de Deus a maturidade a partir dos princípios do Reino “Para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente” (Ef 4:14). O crescimento numérico tão espetacular da igreja nos países não desenvolvidos não tem sido acompanhado de um crescimento integral. E outra vez, o deterioro do conceito da verdade é chave, e a restauração da centralidade da Palavra se torna indispensável: “mas seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que o cabeça, isto é, Cristo”. A distorção do que é bom e do que é mal dentro do povo de Deus e ainda dos pastores é conseqüência dessa imaturidade: “Porque qualquer que ainda se alimenta de leite não está experimentado na palavra da justiça, porque é menino mas o mantimento sólido é para os perfeitos, os quais, em razão do costume, têm os sentidos exercitados para discernir tanto o bem como o mal” e isso resulta em uma incapacidade para ser instrumentos de justiça no mundo. Por isso a igreja deve recuperar seu papel de coluna (stylo) da verdade do Reino.

3. O estilo do Reino é como o trigo: Diante da substituição da ética pela cosm-ética, o Senhor não nos manda arrancar aos maus, mas que cresça o trigo. A distinção tem que ser evidente. Deve-se manifestar uma contracultura, a do Reino. Precisa-se voltar a enfatizar a necessidade de ser um povo diferente, de maneira que haja opção para o mundo. O cristianismo como uma verdadeira “contracultura”, é viver o evangelho e o cristianismo como a verdade a partir da qual se articulam todas as áreas de nosso viver. Tudo está permeado pelo Reino, tudo está sujeito a ele. É muito mais do que concordar com um dogma e a algumas práticas. Trata-se de uma cosmovisão diferente, a partir da verdade de Deus. Porque toda transformação vem por meio da renovação do entendimento de um povo que não se conforma com este mundo (Rm 12:2-3). A igreja coluna (stylo) da verdade do Reino. Porque nossa verdade não é uma verdade entre muitas. É a verdade, Jesus Cristo, a verdade que nos faz livres. Hoje a igreja não é uma contracultura, mas uma subcultura do mundo, isto é, não algo diferente da cultura pós moderna imperante, mas a mesma cultura com algumas características próprias de grupo. Desta forma perdemos a capacidade de salgar e iluminar. Jesus não constituiu uma comunidade sub cultural dentro do judaísmo de seu tempo, mas uma comunidade contracultural, absolutamente revolucionária, a partir dos mandamentos do Sermão do Monte. Mas muitas dessas coisas não se ensinam mais na igreja. Como escreveu John Stott, em relação a uma juventude desencantada que busca algo diferente “constantemente o que vêem na igreja não é uma contracultura, mas um conformismo; não uma sociedade que encarna os ideais que eles têm, mas uma outra da antiga sociedade a qual têm renunciado; não vida, mas morte. Hoje atribuiriam à igreja o que Jesus disse de uma igreja no primeiro século: ‘Tens nome de quem vive, e estás morta’”.

4. O estilo do Reino é como a semente de mostarda: Benjamin Barber em seu livro Jihad vs. McWorld argumenta que as duas forças maiores que determinam o futuro da humanidade são as forças da globalização (McWorld) e a da fragmentação (Jihad) e que praticamente a gente deve escolher entre uma e outra . Não devemos resignar-nos a uma mcdonalização do evangelho, nem assumir um fundamentalismo integrista. Nós não temos que escolher entre essas duas forças. Porque Jesus ensinou que há uma terceira força que está operando no mundo: o Reino de Deus que está trabalhando por meio do poder subversivo da semente de mostarda e que faz nova todas as coisas . A igreja deve ser a coluna (stylo) dessa verdade.

5. O estilo do Reino é como o fermento: Em face a um protestantismo de ficção, devemos recuperar a capacidade transformadora do fermento que teve a Reforma, a capacidade expansiva do fermento que houve no pietismo com seu movimento missionário, a capacidade levedante do protestantismo Pentecostal-carismático. O resgate dessas três dimensões produziria um verdadeiro avivamento. Um mover do Espírito, que enche a terra e que produz transformações que afetam as gerações seguintes (“mostrar nos séculos vindouros” ). A mentalidade e a teologia de conquista, tão popular hoje na igreja latino americana, posiciona o cristianismo não como cultura redentora, mas com a pretensão de cultura dominante. Deixa de ser cristianismo para converter-se em cristandade, deixa de ser fermento para converter-se em massa. A categoria de conquista é velho testamentária. A categoria do Novo Testamento é a redenção, não a conquista. Na América Latina devemos aprender de cinco séculos com uma igreja que conquistou mas não redimiu. Devemos ser livres desse cativeiro cultural e ser coluna (stylo) da verdade redentora do evangelho.

6. O estilo do Reino é como um tesouro escondido: Diante do estilo da diversão que só desencanta e some na apatia pós moderna, o que encontra o tesouro escondido do Reino volta gozoso, vende tudo para comprar o campo. A igreja deve liberar-se dessa cultura do show e de que tudo deve ser divertido. Como diria Mamerto Menapace, devemos diferenciar claramente entre estar divertido e estar contente. Em latim contentus significa conteúdo. Por exemplo: a água que está em um vaso está contida, contente. Enquanto que se eu a derramo, essa água está di-vertida, sem contenção. O Reino produz contentamento, não diversão.

7. O estilo do Reino é como una pérola de grande valor: Diante da cópia falsa, ou pseudo evangelho, manchado de busca de poder humano, político, numérico, os “comerciantes” devemos deixar de buscar essas pérolas falsas, e vender tudo para comprar a pérola do Reino. Não é o poder político o que transformará a realidade, não é o poder numérico que impactará a cidade, não é o poder econômico que posicionará a igreja como cidade edificada sobre um monte. É o poder do Reino, o poder de uma igreja que vive diferente, o poder da pregação da verdade eterna, da qual é coluna (stylo), o poder espiritual de uma igreja que vê nas ruas os milagres e sinais que respaldam a palavra, o poder de uma igreja unida que vive com autenticidade o amor que declama.

8. O estilo do Reino é como uma rede: Em face a um mundo fragmentado e hiperindividualista , o reino de Deus é como uma rede. Esse avivamento liderado pelo Espírito Santo, de alcance mundial, com poder transformador de vidas e estruturas sociais, e que transcende às gerações seguintes, requer de uma igreja unida: que sejam um para que o mundo creia. A unidade não é um adorno da igreja, mas um requisito, uma coluna (stylo) da verdade e do avivamento. O Reino de Deus é singular, e sua agência principal, a igreja em cada cidade, também é uma. Em um mundo de confrontações culturais, a igreja deve apresentar um modelo diferente, do qual ela é exemplo. Essa condição de exemplo ainda está pendente. Sem essa expressão visível da unidade que Cristo ganhou na cruz, nossa mensagem, perde singularidade, e se converte em uma mensagem a mais.

Parte - 4

(Carlos Miramda)


Conclusão – Uma agenda apostólica:

Jesus veio implantar uma nova cosmovisão, una nova cultura (crenças, valores e comportamentos). Essa cultura é a do Reino. Por isso ensinou a orar: Venha teu Reino, seja feita tua vontade na terra como no céu. Creio que a chave para que a igreja volte a ser coluna (stylo) da verdade é restauração completa das colunas (styloi) da igreja, que são os apóstolos: “Com efeito, Tiago, Pedro e João, que eram considerados colunas (styloi), reconhecendo a graça que eu havia recebido, nos estenderam a destra a Barnabé e a mim em sinal de companheirismo. De modo que nós fossemos aos gentios e eles aos judeus” (Gl 2:9). Somente como sugestões que ilustram o ponto, permitam-me dar oito pistas do que creio ser urgente para que a igreja reflita a cultura do Reino, e não a cultura imperante do mundo, para que seja verdadeiramente coluna (stylo) da verdade:

1. Um ministério apostólico que trabalha prioritariamente pela unidade da igreja em cada cidade: Segundo o Novo Testamento há uma só igreja em cada cidade. Segundo Jesus a unidade é requisito para o avivamento: que sejam um para que o mundo creia. Quanto mais na sociedade fragmentada do mundo pós moderno. Segundo Efésios 3, esta tarefa apostólica, não tem relação direta com o tamanho do ministério de alguém em uma cidade, mas com a revelação recebida do mistério da igreja, como um só corpo em uma cidade: “Como me foi este mistério manifestado pela revelação... O qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas... A mim, o mínimo de todos os santos” (Efesios 3.3,5-6,8). A unidade da igreja em sua cidade deve ser prioridade na agenda de um apóstolo.

2. Um ministério apostólico que estabeleça o presbitério da cidade: Essa unidade será impossível se os ministérios apostólicos em uma cidade não se integram com uma visão do Reino e estabeleçam o presbitério da cidade, agrupando a todos o pastores da cidade para começar a funcionar como estabelece Efésios 4, segundo os ministérios, para que a igreja da cidade cumpra seu ministério na cidade. Em muitas partes do mundo tem-se avançado na unidade por meio da formação de Conselhos e Fraternidades de Pastores. Esse tem sido um passo que coopera para a unidade. Mas ainda é insuficiente para poder concretizar a unidade. O modelo dessas responde a uma visão mais institucional que espiritual missiologica. Devemos passar ao presbitério da cidade. Onde os cinco (ou quatro) ministérios de Efésios 4 se liberem para a igreja cumpra sua função de ministrar, não tão somente ao rebanho, mas a cidade.

3. Um ministério apostólico que pastoreie aos pastores: A necessidade número um dentro da igreja contemporânea são os pastores. Estão órfãos, estão sem rumo, estão mal formados, estão necessitados de saúde emocional. Estão necessitados de paternidade apostólica. Num tempo em que os apóstolos se preocupam com a expansão do evangelho e o crescimento numérico da obra, é indispensável servir no amadurecimento da liderança, em especial dos pastores.

4. Um ministério apostólico que encha as cidades com o didaché: O sumo sacerdote disse aos apóstolos: Dizendo: “Não vos admoestamos nós expressamente que não ensinásseis nesse nome? E eis que enchestes Jerusalém dessa vossa doutrina”. Os apóstolos responderam: “É necessário obedecer a Deus antes do que aos homens” (At 5.27-29). Obedecer a Deus antes que aos homens implicava encher a cidade da didaché. Quando o cristianismo produz uma mudança cultural, uma mudança da cosmovisão nos mundo judeu e no mundo grego, uma das tarefas essenciais dos apóstolos foi o ensinamento. Por isso os adversários lhes ordenava que não ensinassem. Mas eles encheram a cidade com a doutrina. Com a pós modernidade, se faz preciso neste momento de mudança cultural, nessa mudança de cosmovisão, reforçar o ensino apostólico, isto é o ensino da cosmovisão do Reino, por boca dos apóstolos, para que a gente saiba como viver. E perseveravam na doutrina dos apóstolos (At 2:42). Não de pastores, mas de apóstolos. Porque os pastores hoje não tem claro a didaché neotestamentária. É necessário um forte reforço do ministério apostólico com o ensinamento.

5. Um ministério apostólico que mire a realidade desde os mais necessitados:Alegramo-nos com a consciência crescente na igreja de sua necessidade de exercer influência em todos os âmbitos da realidade incluindo o político. No entanto, atrás dessa mentalidade de conquista, e não de redenção, há muito de busca de poder, e pouca visão bíblica da política que começa, precisamente, vendo o político com os olhos das vítimas. Tão sensíveis como somos na America Latina ao tema dos direitos humanos, poucas são as vozes que se levantam para denunciar as perseguições e mortes que nossos irmãos sofrem no mundo islâmico. Permitam-me, diante do evangelho do show divertido, diante aos pseudo apóstolos da ostentação, honrar os irmãos que nestes dias estão sendo perseguidos em Ossira e outros lugares da terra. Se Deus tem visto a opressão de seu povo, que sejamos também capazes de ver. O mesmo em relação aos que sofrem injustiça, miséria marginalização. A condição sine qua non que os apóstolos impuseram a Paulo para reconhecê-lo como tal foi que não se esquecesse dos pobres (Gálatas 2.10). Quando vemos hoje a caricatura do ministério apostólico, que entre outras coisas tem mudado a condição sine qua non da atenção aos pobres aos que sofrem, por uma teologia da prosperidade, que ignora o sofrimento, é necessário um ministério apostólico que com urgência recupere essa visão bíblica, superando o assistencialismo e guiando processos de transformação social e promoção humana.

6. Um ministério apostólico respaldado por sinais, maravilhas e prodígios: No mundo da pós modernidade, onde a verdade é absolutamente relativa, e a verdade do evangelho, é somente “nossa verdade”, essa “nossa verdade” precisa o respaldo dos sinais e milagres. Esperar que Deus respalde a palavra com sinais e milagres, de maneira tal que seja manifesta a intervenção de Deus na história. O ensino apostólico e os sinais apostólicos são duas colunas para a unidade dos pastores em uma cidade. O ensino apostólico nivela e os sinais convocam e unem a liderança em uma cidade: “e pela mãos dos apóstolos havia muitos sinais e prodígios no meio do povo; e estavam todos unânimes no pórtico de Salomão” (At 5:12) O ensinamento e os sinais caminham juntos. Rejeitamos a dicotomia entre ministérios docentes e ministérios de poder. Nicodemos pode reconhecer a autenticidade do ensino de Jesus pelo sinais que fazia: “Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele” (Jo 3:2)

7. Um ministério apostólico com um plano estratégico para o mundo: O ministério apostólico em uma cidade estabelece o Presbitério da cidade: “estabelecesses anciãos em cada cidade como te mandei” (Tt 1:5). E o presbitério da cidade, por sua vez, reconhece o ministério apostólico emanado dessa cidade: “E na igreja que estava em Antioquia havia alguns profetas e doutores, a saber: Barnabé e Simeão chamado Níger, e Lúcio, cireneu, e Manaém, que fora criado com Herodes o tetrarca, e Saulo. E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando e orando, e pondo sobre eles as mãos, os despediram” (At 13:1-3). O Presbitério da cidade, inspirado por seus apóstolos, estabelecem um plano para a cidade. Por sua vez, os ministérios apostólicos reconhecidos do mundo, devem reunir-se não somente para compartilhar, mas também para receber revelação para um plano estratégico para o mundo, que seja eficiente para alcançar a cultura presente. Nesta apresentação, vimos as características negativas dessa realidade, mas a cultura da pós modernidade, também oferece oportunidades extraordinária para a extensão do evangelho.

8. Um ministério apostólico em permanente busca do Espírito: Todos os que estamos aqui, fomos formados na cultura da modernidade, mas devemos ministrar na cultura da pós modernidade. Todos os que estamos aqui nascemos na etapa do Protestantismo Pentecostal-Carismático, mas somos testemunhas de um Protestantismo de Ficção que devemos mudar. Todos que estamos aqui fomos formados para liderar uma congregação “local”, porém logo descobrimos que a ênfase bíblica de que a localidade não é paróquia do templo, mas a cidade. Todos os que estamos aqui fomos formados para defender os princípio e interesses denominacionais, muitas vezes, contra outros, porém hoje Deus nos empurra para sermos agentes ativos para a unidade da igreja na cidade. Todos os que estamos aqui fomos chamados para pastorear ovelhas, mas logo nos vimos pastoreando pastores. Todos os que estamos aqui fomos chamados para ser pastores, mas agora há uma demanda para uma tarefa apostólica. Isto é, em questão de poucos anos o mapa de nosso ministério foi mudado. Estamos em uma esquina de nosso ministério, envolvidos em um processo de mudanças para as quais não fomos preparados, ministrando em uma sociedade que também está experimentando esse momento de esquina cultural, com câmbios inusitados. Todos os que estamos aqui necessitamos ser expressão do poder e da sabedoria de Deus por meio do ensino e dos sinais apostólicos, de maneira tal que cause impacto a realidade atual. É mais que óbvio, nossa debilidade, nossa incapacidade, nossa limitação. Mas é a grande oportunidade, se nos mostramos débeis, incapazes, limitados e vulneráveis, para que Seu poder se aperfeiçoe em nossa debilidade. Por isso se faz indispensável uma busca cada vez maior e desesperada de Seu Santo Espírito. Os apóstolos, colunas (styloi) da igreja, coluna (stylo) da verdade, necessitamos uma unção renovada do Espírito Santo para esse tempo. Diante de nós temos um tempo maravilhoso, o melhor tempo de nosso ministério. Veremos uma igreja madura, sadia, sem manchas e sem rugas, unida. Uma igreja que refletirá a cultura do Reino, e em amor e serviço implantará esse Reino em um mundo necessitado de Deus. Mantenhamo-nos unidos, dependentes do Espírito, e expectantes, porque inevitavelmente a terra será será cheia da glória de Deus, como as águas cobrem o mar.

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