sábado, 4 de fevereiro de 2012

UMA GRANDE VIAGEM

Hoje pela manhã perguntei pelo twitter qual é a grande viagem? Das muitas respostas que recebi, escolhi algumas para fazer uma ressonância. #1 Aquela em que vc descobre quem vc é! @PatrickSaulo O mergulho no mundo interior, em busca de nossa verdadeira identidade, é uma grande viagem. Quando nos damos por gente, somos um mosaico de expectativas, uma espécie de colagem dos pedaços que nos vêm da cultura, da educação que recebemos, das projeções familiares, das bagagens genéticas e outros tantos cacos que nos fazem seres fracionados e não raras vezes contraditórios. Lembrei de algumas passagens bíblicas. A primeira, quando Deus pergunta a Adão: onde estás? Evidentemente, não se tratava de uma pergunta a respeito da localização geográfica, mas de sua identidade perdida no encontro com a serpente. O Adão que estava nu e não se envergonhava havia sido substituído por um outro, que se percebeu nu e tremeu de medo. Deus quis saber onde estava aquela primeira identidade, perdida dentro do mesmo corpo desse novo Adão amedrontado. A outra passagem bíblica foi a pergunta de Deus a Jacó: qual é o seu nome? Enquanto lutava para ser abençoado por Deus, Jacó deveria assumir seu nome, isto é, sua identidade. A benção de Deus implica a ressignificação de quem somos. Conhecer a Deus implica conhecer a si mesmo. Ou ainda, conhecer a Deus implica discernir que sempre estivemos enganados a respeito de nós mesmos e do nosso nome, e então ganhamos um novo nome – escrito numa pedra branca, como profetiza o apóstolo João, isto é, uma nova identidade – nascer de novo. Lembrei também do momento quando Deus se pronuncia sobre Jesus de Nazaré: tu és meu filho amado, em quem tenho prazer. E parei por aqui. Não conseguiria responder outra coisa quando alguém me perguntasse: quem é você? Simplesmente diria: sou um filho amado de Deus. #2 É aquela sem volta! @marioslevy A primeira coisa que pensei quando li essa resposta foi na morte: a morte é a viagem sem volta. Mas não demorou muito para que eu jogasse fora essa interpretação. A esperança cristã é a ressurreição. Assim como não conseguiu reter a Jesus Cristo, a morte nos verá escapar entre seus dedos pela ressurreição. A morte é uma viagem com volta. Então lembrei do costume dos desbravadores antigos que aportavam em terras desconhecidas e queimavam suas caravelas. Acabavam de vez com a possibilidade da volta – da partida, e deixavam claro: estamos aqui para ficar. Fui, então, invadido por uma desagradável sensação. A ideia de decisões definitivas é assustadora. Mas lembrei, como exemplo, de duas decisões definivas que tomei na vida. A primeira foi o meu casamento: até que a morte nos separe. Lembrei que no dia em que segurei a mão da minha mulher para seguir viagem com ela, acreditei que jamais a soltaria. Continuo acreditando. O casamento é para mim uma viagem sem volta. A outra decisão definitiva que tomei na vida foi a de seguir a Jesus Cristo. Na verdade, desconfio se de fato foi uma decisão. O encontro com Jesus nos deixa de joelhos. E usamos as palavras do profeta Jeremias para confessar: seduziste-me Senhor, e seduzido fiquei, mais forte foste do que eu e prevaleceste. Seduzidos pelo divino amante caímos rendidos. E já não é possível voltar. #3 é ir deixando de ser tanto “eu” e sendo mais Ele! @hugo_panes Essa resposta me remeteu imediatamente a um dos mais extraordinários capítulos da teologia ortodoxa oriental: o conceito de theósis, que se traduz como divinização ou deificação – nada mais nada menos do que o processo por meio do qual o ser humano vai se tornando Deus, ou, em linguagem bíblica, nas palavras do apóstolo Pedro, tornando-se participante da natureza divina. Isso implica lembrar que uma das maneiras de ler a Bíblia é a partir dos dois paradigmas de humanidade: Adão e Cristo. A peregrinação espiritual cristã implica essa grande viagem: entrar no eterno bailar da Trindade, onde o Pai , o Filho e o Espírito Santo abrem a roda para incluir a humanidade na dança. São João Damasceno enxergou na brincadeira das crianças a melhor metáfora para o relacionamento da Trindade, e chamou essa dança de pericorese. Na dança do divino, somos um com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Não perdemos nossa individualidade, mas somos mais nós mesmos quanto mais em Deus estamos. #4 Aquela que é feita em boa companhia! @prmarcelosantos Durante muito tempo me perguntei como era possível que lá no Gênesis, no paraíso a leste do Édem, Adão caminhasse com um gosto amargo de solidão, mesmo tendo Deus como seu companheiro. A afirmação divina: não é bom que o homem esteja só, sempre me soou estranha. Como pode alguém, na presença de Deus, estar só? Foi então que compreendi que se tratava de uma dimensão de solidão. Adão tinha alguém abaixo dele: os animais e toda a criação. Tinha também alguém acima dele: Deus. Mas não tinha alguém em relação de igualdade com ele. Até que se encontrou com Eva e exclamou: essa sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne. Deus foi taxativo: ninguém deve viajar sozinho. #5 é a que te conecta com sensações, sabores, afetos e memórias que te levam a experimentar o máximo da aventura da vida humana. @CarlosBezerraJr Aí está uma boa expressão do que se chama vida. Caso alguém me pedisse para indicar a unidade de medida da vida acho que apontaria para esse caledoscópio caledoscópio de sentimentos, relações, odores e cores, essa possibilidade maravilhosa de se lambuzar na sensualidade [ou sensitividade, ou sensorialidade] do corpo e da alma. Imagino que algo como um vidômetro, que me ajudaria a saber se estou vivo traria mais ou menos o seguinte relatório ao final do dia: o senhor hoje riu e chorou, foi capaz da compaixão face ao sofrimento e da indignação diante da injustiça, sentiu o doce e o amargo, se encantou contemplando a beleza e se arrepiou encarado pelo grotesco, amou e foi amado, ganhou um beijo no e foi apunhalado pelas costas… sim, tudo leva a crer que o senhor está vivo! Eis aí uma grande viagem: viver, mais do que meramente existir; viver, mais do que meramente continuar respirando! #6 A que é alimentada pela utopia. @PrMarcioCaetano Outro dia mesmo twittei o mestre Tostão, filósofo do ludopédio, dizendo que a utopia é uma referência para o desejo não acabar. A utopia, do grego u–topos: não–lugar, pode ser compreendida como aquilo que ainda não se realizou ou que ainda não encontrou seu lugar. A utopia é aquilo lá no horizonte, a terra prometida, o futuro ideal que contemplamos pela fé, e que nos inspira a agir no presente, mexendo no mundo e transformando caos em cosmos, desordem em harmonia e beleza, justiça e paz. Quanto à utopia, não importa tanto se vai se concretizar, o que importa é jamais deixar de inspirar. Lembrei de Eduardo Galeano: A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar. E lembrei também de Jesus dizendo: o meu reino não é deste (neste) mundo, que pode ser entendido como o meu reino está para além das possibilidades humanas e se realiza somente em Deus. Mas a grande viagem é essa: resumir tudo isso em 140 caraceteres. Compartilhe:

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